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O impacto do open everything no processo de tomada de decisão

O impacto do open everything no processo de tomada de decisão
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jun. 28 - 9 min de leitura
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O que significa ser dono de um dado? É o mesmo que ser dono das conclusões extraídas a partir de publicações voluntárias em redes sociais ou aplicativos que fornecem informações de sua localização ou de sua performance física em esportes? E dispositivos vestíveis, o quanto você informa sobre sua saúde e preferências pode produzir informações a seu respeito?

Ser proprietário de qualquer bem precede conhecer e reconhecer seu valor (monetário, estratégico ou afetivo), obter informação, manutenção, CAPEX, cuidados, responsabilidades e deveres com relação ao bem. Com isso, é possível usufruir de oportunidades geradas por ele. Mas será que ser dono de dados também não implicaria tais conhecimentos?

É possível que quanto maior se verifica a intangibilidade do bem, mais complexas são as informações necessárias para que se compreenda os riscos e para que sejam exploradas oportunidades. Desta forma, talvez daqui para frente, no mundo do open everything, imponha-se em nossas vidas, cada vez mais, a governança dos dados que fornecemos.

Quando se falamos em dados, a posse de ativos é aparentemente democrática – quase todos possuem dados. Operar em open everything, entretanto, requer um entendimento mais amplo sobre o alcance do consentimento. Só assim estaríamos mais aptos a identificar em nossas escolhas o que são oportunidades e o que indica ser oportunismo.

A percepção de valor sobre dados é menos nítida aos usuários. Há uma camada da sociedade que não tem ideia de que em seus dados pode haver muito mais informação do que se imagina. Algumas reflexões são possíveis sobre o open everything no controle de dados, inovação e democratização de serviços. 

No setor financeiro, verificávamos o controle, muito pouco democrático, dos dados. O ambiente financeiro convidativo para a disrupção em vários países, com poucos players, mercados regulados, clientes escolhidos, inovações restringidas às do tipo incremental... Nada que ameaçasse o modus operandi ou o ecossistema onde quase todos estavam relativamente satisfeitos. Clientes que não se mostraram desejáveis foram negligenciados pelos players.

Uma nova equação surgiu quando uma geração nativa digitalmente cresceu, com demandas digitais exigindo transparência em taxas e preços para operar, facilidade e rapidez de adesão sem burocracias e rede de clientes ampla e democrática, com mais competidores. Trata-se de uma nova geração sem histórico em bancos, com mais apetite ao risco e facilidade no empreendedorismo digital. Como resultado, surgiram as fintechs que enxergam não só os negligenciados, mas um mercado novo que se identifica com uma linguagem digital.

Nesta esteira, começa a reflexão sobre o open everything. Há duas faces nesta moeda. Uma que aplaude a democratização de oportunidades que se abre para novos entrantes, antes negligenciados pelos grandes players, e outra que se preocupa com a assimetria entre usuários na compreensão do valor intrínseco dos dados. Tal assimetria desiguala a qualidade na tomada de decisão, tanto em relação à cessão de dados quanto ao melhor aproveitamento de oportunidades.

Surgem, então, várias questões nas perspectivas das empresas. Observe-se:

- As estratégias das empresas deverão considerar a conscientização de clientes que não compreendam o valor de dados e metadados (os dados contidos nos dados) para elevar o entendimento, o alcance e o tipo de informação nos dados que poderá ser compartilhada com outra instituição?

- Tal estratégia fortalece a confiança, aspecto inestimado para quem lida com gestão de valores?

- Com relação aos prazos de consentimento, como será tratado o descarte de dados dos clientes que decidirem migrar para outros players para se adequarem à LGPD?

- Insurgentes que até então se concentravam nos clientes negligenciados poderão vislumbrar uma mudança de percurso para atender também ao cliente grande?

- Que estratégia vão adotar os incumbentes para manter seus clientes? Qual será estratégia de manutenção de sua reputação? Irão abrir para novos clientes, muitos antes negligenciados, ou se concentrarão no “filé mignon”?

- Quais características serão levadas em conta na composição do board? Como enxergarão as habilidades necessárias?

Quando se percebe um bem como essencial à sobrevivência, mudanças são rapidamente absorvidas pela população. Vejamos como exemplo o Pix, aparentemente complicado, mas rapidamente adotado. Diferentemente do Pix que transaciona dinheiro, uma ativo vital não contempla esta noção de valor nos dados.

Será preciso construir uma jornada de conhecimento do cliente com relação a seus dados e, neste caminho de aprendizado, surgirão perdedores. Como evitá-los? Assim como estratégias são diferentes em níveis de maturidade de empresas, também serão percebidas perspectivas diferentes sobre o open everything. Um ecossistema que nasce analógico, com poucos players, representa dados pouco expostos, com baixa circulação de informação, maior privacidade e controle. Mas se pensarmos no ecossistema que nasce digital, também com poucos players e com infinitos usuários, como o das mídias sociais, sobre quais questões deveremos nos perguntar?

Faz sentido o open everything? Quem é o produto exposto? Até que ponto é desejável expor? Compreende-se que o alcance dessa exposição se conecta com outras informações concedidas pelo usuário? É possível controlar o compartilhamento de minhas exposições? Há preparo, inclusive emocional, para os desdobramentos da exposição? Em que o open everything implicaria para setores como o da saúde? De que forma consentimentos de dados sobre a saúde de órgãos humanos impactaria no conceito de diversidade e respeito às diferenças? 

Se pensarmos na ideia do compartilhamento de dados consentidos e na possibilidade de se extrair destes dados evidências que tornem possível, por exemplo, represar informações falsas com intenções de fraudar o seguro saúde, esse é um lado muito positivo. Por exemplo, a utilização de dispositivos vestíveis que forneçam dados sobre capacidade respiratória ou cardíaca, cruzadas com informações declaradas de clientes aos seus respectivos planos de saúde, podem mostrar inconsistências. Mas até que ponto desejamos estar expostos a esse escrutínio?

No limite, seria possível também, com exames de imagens ou aferição de temperatura corporal, identificar e localizar doadores de órgãos ou monitorar a circulação de pacientes infectados pela Covid-19. Como proteger essas pessoas de abordagens ou exclusão?

Tudo isso é permitido, não exclusivamente pelo consentimento de dados do usuário a uma determinada instituição, mas pelo cruzamento de dados com outras informações, disponibilizadas espontaneamente ou não, associadas ao avanço da Inteligência Artificial.

O ideal seria haver um equilíbrio de forças dos dois lados, que poderia ser dado pela governança no open everything. A falta de capacidade cognitiva de uns em compreender o poder e as oportunidades contidas no consentimento de dados lança luz na importância do some control em oferecer certo equilíbrio ao lado menos informado. A governança vem, justamente, para garantir a simetria nas informações. Open everything pode ser muito justo quando há um mesmo nivelamento na educação do usuário, mas pode também aumentar a desigualdade quando não se resolve a questão da assimetria de conhecimento.

Essa seria a outra face da moeda: a possibilidade de, no mundo do open everything, com mais filtros, serem excluídos determinados atores – assim como acontece nas redes sociais, onde se aceita e se exclui pessoas apenas com um clique os relacionamentos.

A inteligência emocional avança sobre o comportamento e a mente humana. Já temos startups que contratam psicólogos para avaliar a forma como o usuário interage com dispositivos celulares (se tiram muitas selfies, são mais egocêntricos, se não publicam muito, são mais reservados) e outras que começam a explorar a possibilidade de aprendizados durante o sono, e por aí vai...

Nesses casos, consigo vislumbrar situações em que parceiros podem vir a ser escolhidos pelo “currículo” de saúde para fertilização, uniões que visem herdeiros menos suscetíveis a determinadas doenças, possibilidade de privilegiar determinadas etnias, escolha de relacionamentos – pessoais e profissionais – dentro de uma perspectiva pessoal de valores, etc.

Será que ao objetivar diminuir “riscos”, sob uma ótica muito particular e enviesada, também não são reduzidos a empatia, o acaso, a capacidade de tolerância e resposta ao inesperado e, paradoxalmente, a própria inovação?

Essa discussão que envolve ética não é nova – já ocorreu sobre clones humanos –, mas a realidade da IA avança, muitas vezes, no sentido oposto a promoção da diversidade, tão necessária à inovação. Nessa onda do open everything, quem vai regular a ética nas aplicações e práticas abusivas que podem invadir o corpo e a mente humana?


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