Uma das poucas certezas que temos hoje é de que estamos vivendo intensamente uma disrupção rápida, sem muitos precedentes. É muito importante, então, refletir sobre como a alta gestão de uma companhia, especificamente o conselho de administração, deve também se auto-disruptar para entender e estar na frente dos fatos a fim de conseguir ser minimamente efetivo em seu papel de liderança do processo estratégico de uma companhia e sua inserção na sociedade.
Com a rápida evolução da tecnologia, não há mais espaço para reserva de mercado ou para acreditar que seu modelo, mesmo que único, será preservado por muito tempo. Uma empresa tem que entender muito bem o seu consumidor, suas reais necessidades (até as que ele não sabe) e dores para oferecer soluções. Sem isso, a criação de valor pode não ir longe e fazer o negócio, como o sapo na frigideira, ser frito sem sentir.
Para atender a isso e poder oferecer o melhor em termos de alternativa de produto para seus clientes, surgiu a necessidade de empresas criarem um ecossistema ao seu redor, por meio de alianças e parcerias. Só assim fica possível oferecer multiprodutos para seus clientes através de sua plataforma, que tem que ser única e simples de ser acessada pelo cliente.
Embora haja muitos exemplos de empresas grandes que fizeram isso, não precisamos discutir a Amazon aqui. Hoje, por exemplo, uma startup de telecom, de finanças ou de energia têm o mesmo desafio para poder crescer criando valor. Se a alta administração, por meio de seu conselho, não entender isso e não se equipar para poder olhar sempre para a frente, vai fazer com que a empresa ande para trás mesmo sem sentir e sem querer.
Nesse cenário de total abertura dos negócios, fiquei pensando em quais seriam os principais desafios e pontos de atenção que um conselho deve ter para chegar a essa disrupção. Cheguei rapidamente a seis pontos:
- Ter um conselho diverso, no qual as características pessoais e formação dos indivíduos sejam facilmente alavancadas quando tiverem que ser exercidas de forma colegiada. Os conselheiros, ao aceitar integrar esse órgão, precisam ter um entendimento da responsabilidade que estão assumindo. Independentemente de ser aberta ou fechada, é necessário ter uma formação básica do que é o papel do conselheiro e a responsabilidade associada ao cargo. Todos os conselheiros, independentemente do seu background, precisam tomar decisões informadas, refletidas e fundamentadas, tendo contribuído para o contraditório – sempre difícil, mas saudável na construção da decisão. Para isso, precisam também ter tempo para analisar e entender os assuntos em pauta e os impactos que uma decisão mal feita pode trazer para o negócio;
- Balancear de verdade as pautas, dando um peso maior do que 50% do seu tempo e recursos para entender melhor, avaliar e discutir seu mercado alvo real, as soluções possíveis que podem ou até já estão sendo propostas a esse mercado e ter foco em apoiar a construção de uma teia de produtos que realmente maximize a relação com clientes; aparentemente fácil, mas desafiador, considerando a velocidade do aparecimento de soluções e as obrigações legais de se estar atuando em um ambiente onde as questões regulatórias e legais ainda demandam muito tempo e recursos;
- Promover laboratórios de inovação que testem ideias ligadas ao cliente mas que tenham independência e orçamento próprio e, aos poucos, capilarizem sua cultura pela empresa. Esses laboratórios (sandboxes) devem poder errar sem medo e ter constantes injeções de resiliência da alta administração para ir em frente;
- Assegurar que a organização se torne rapidamente mais ágil e flexível nas suas discussões e processos de implementação, podendo se adaptar às necessidades do dia, da semana, do mês ou do período que seja. Para isso, é importante não se ancorar em organogramas tradicionais e imutáveis, mas entender que é crítico aprender a trabalhar matricialmente, podendo criar e recriar task forces focadas em assuntos prioritários quando necessário, para que essas estruturas realmente possam apoiar o conselho nas suas decisões;
- Implementar um sistema de remuneração e de metas que privilegiem o espírito de cooperação e a criação de valor como um todo. Apesar de toda a evolução social, o ser humano, se não estimulado, facilmente se fecha em silos, entra em modo de competição não saudável e quer garantir o seu status quo, olhando as suas metas no curto prazo e esquecendo-se do todo, parando de ouvir e de trocar experiências;
- Promover a criação de um grupo de pessoas e culturas para cuidar das relações das pessoas, mantendo um ambiente de competição saudável onde haja lugar para o contraditório, mas que seja ancorado em um ambiente de cooperação e de troca de ideias.
Fácil? Não! Envolve transformação cultural radical. Em um ambiente de negócios que está se abrindo radicalmente, a cultura também tem que se abrir. Para isso, não há máquinas, mas pessoas que entendam a transformação, queiram mudar e acessem/criem as ferramentas para isso.
Evoluímos muito na qualidade dos conselhos de administração nos últimos 10 anos. Ocorre que ainda precisamos desempenar e/ou substituir muitas alavancas e criar outras. Sem isso, falaremos de forma e não de substância. Para a governança ser dinâmica e ao mesmo tempo sólida, refletindo sobre o que está acontecendo na sociedade, ela precisa de pessoas que entendam seu papel, mas pensem diferente e construam soluções novas.