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LGPD: o Risco Brasil agora é digital

LGPD: o Risco Brasil agora é digital
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ago. 27 - 5 min de leitura
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Os desencontros e excessos regulatórios podem custar muito caro em um mundo em que discussões tecnológicas serão cada vez mais parte da disputa hegemônica mundial. No Brasil, como se já não estivéssemos suficientemente acostumados com polêmicas envolvendo tecnologia, agora, dia sim, dia sim, conseguimos ser surpreendidos: o Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (26), a vigência imediata da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Na última terça-feira (25), a Câmara havia decidido que a vigência da LGPD deveria ter início em 31 de dezembro de 2020. Antes, Medida Provisória do presidente Jair Bolsonaro corretamente havia prorrogado o início da vigência da lei para maio de 2021, devido aos impactos da Covid-19. Mas a confusão não para por aí, já que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão voltado a interpretar, defender e orientar a lei, um dos principais pontos da LGPD, sequer foi criado pelo Governo Federal.

Uma decisão desse tamanho só reforça a insegurança jurídica àqueles que ainda não conseguiram se adaptar à legislação; há pontos obscuros a serem resolvidos. Para as empresas de tecnologia, então, nem se fala. Mesmo em condições normais de temperatura e pressão já é difícil empreender no Brasil, pois negócios inovadores caminham mais rápido do que as regras legais – as empresas de entregas e de delivery de comida que o digam. Isso tende a espantar investimentos e acaba reduzindo a capacidade de geração de emprego. Parabéns aos envolvidos.

Estamos reforçando a tradição brasileira de regular o máximo que puder, de ter o Estado controlando tudo e a todos, o que acaba freando a inovação. Em Gonew.co, estudamos as muitas contradições de conectar o mundo, e temos uma perfeita contradição à nossa frente agora, que com certeza estará presente em nossas próximas discussões.

Ao mesmo tempo em que no Ocidente desfrutamos de todas as benesses de se viver em uma democracia, como ter eleições diretas, verdadeira liberdade de ir e vir e direito à livre manifestação de pensamento – ainda que a discussão sobre as fake news, que já foi tema de outra coluna, possa colocá-la em perigo –, fica impossível lançarmos mão, na prática, da ideia de testar rápido, falhar rápido e aprender rápido, preconizada no âmbito dos ecossistemas de inovação.

Isso porque estamos à mercê de regulações estatais que podem nos prejudicar e que já afastam as startups de parte do mercado brasileiro. Pior ainda: muitas vezes, essas regras e como elas serão aplicadas/fiscalizadas sequer estão claras, como é o caso da LGPD.

Literalmente no outro lado desse mundo de contradições temos o Oriente, em especial a China. Os cidadãos vivem sob um regime que se aproxima do ditatorial e, talvez até por isso, não têm muitas preocupações sobre seus dados. Mas enquanto isso o país acaba inovando de forma mais rápida porque discussões como as que observamos hoje no Brasil (e no Ocidente como um todo, é verdade) não são feitas, simplesmente. Manda quem pode, testa, falha... e aprende rápido quem tem juízo.

E mais: enquanto o Ocidente busca enquadrar monopólios digitais, a China os fomenta. Daqui a pouco, algum burocrata ocidental decidirá que o Facebook precisa ser dividido em partes, enquanto a China exponencial avança concentrando e minerando a inteligência de uma quantidade absurda de dados - o novo e mais importante ativo global - dos seus 20% de reserva de mercado da população mundial. Que paradoxo: democracias parecem menos competitivas no mundo digital.
Os dados pessoais de clientes, consumidores e usuários das plataformas devem, sim, ser protegidos, e os negócios digitais devem ser adequadamente regulados. Do modo como está sendo feito, porém, só consigo vislumbrar prejuízos. Há nos negócios digitais muita gente séria que anseia por algum controle, mas não todo o controle - e muito menos pelo excesso de controle e de comandos desencontrados.

Com a pandemia, não somente empresas passaram a entender que a sobrevivência passa por questões digitais. Países e governos também deveriam perceber que precisamos mais do que um Estado digital, precisamos de um “Estado líquido”.

Nossos desarranjos institucionais e o excesso de discussões em torno de bolhas ideológicas hiperpolarizadas, que são agravadas pela rapidez dos novos modelos de negócio e a incompreensão dos tomadores de decisão a respeito deles, seja aqui ou em qualquer lugar do mundo ocidental e democrático, pode gerar uma tempestade perfeita, levando-nos a uma sociedade altamente regulada, lenta e ultrapassada. O Risco Brasil virou digital e o dragão virtual agradece. Trump e os burocratas ocidentais, queiram ou não, outros TikToks virão.

Por Anderson Godz

Publicado originalmente na Gazeta do Povo.

 


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